17 de julho de 2007

CRÔNICA DA ROÇA

Viver na roça pode dar a falsa impressão de uma vida afastada do mundo, no enfrentamento de toda sorte de dificuldade que o homem pode sentir em relação à cidade, por mais próxima que seja. Quem mora nos centros urbanos não tem como avaliar com toda exatidão o que seja sentir o cheiro da terra molhada, o frescor da mata, o sol que nasce nas manhãs da primavera, a lua que inspira o cancioneiro popular.
A vida no campo é um suceder de momentos felizes, um gozar das delícias que a terra oferece, o poder respirar o ar puro, o nadar em águas cristalinas, o sentir o gosto das frutas dos pomares, o jogar futebol aos domingos, mesmo em terra batida, o andar a cavalo pelas campinas verdejantes, o tomar o leite com groselha ou capilé na hora da ordenha, o espiar da varanda do casarão a galinha-choca a aninhar sob suas asas a prole de quinze a vinte pintainhos, a alegria de conviver com gente simples, sem malquerença, aquela conversa agradável à boca da noite, o ouvir contar histórias dos mais velhos, o admirar a lua no espelho d’água, o apreciar o canto romântico de um sabiá no topo de uma árvore, o cantar do galo nas madrugadas, o repique da viola nas noites enluaradas, o despencar das estrelas no escuro das noites, enfim, é ter momentos de felicidade e paz.
O caminhar pelas estradas de terra, o sentir os pingos da chuva a bater suave no rosto marcado pelo tempo, o admirar o desabrochar de uma flor nascida à beira de um regato, o recolher os animais no curral e muito mais que provoca aquele sentimento de uma vida envolta de rara ventura.
No campo, a força das velas que uma lâmpada alumia na cidade pouca falta faz. Acostumado a lamparinas de querosene ou lampiões a gás, o homem torna as noites mais românticas, vence as dificuldades e contorna as facilidades naturais que o moderno proporciona. Não faltam as visitas ao vizinho, as conversas alegres de um passatempo agradável, nem as reuniões enriquecidas com café gostoso da hora e acompanhado de bolos feitos por mãos de fadas.
A demonstração de fé nas rezas em casas das colônias, as missas mensais e as festas anuais na capela do bairro, em homenagem ao padroeiro, com quermesses, prendas, doces e salgados são costumes que passam de geração em geração, que se tornam tradição no registrar dos tempos.
Ah, as noites de fins de semana! Os bailes abrilhantados com sanfona, violão e pandeiro, nos terreiros onde se secava o café e se malhava o feijão, improvisado de salão, com coberturas de encerrado e paredes de bambuzinhos. O jogo de truco, naquela troca de sinais imperceptíveis, nas trucadas falsas, na gozação de uma fuga do adversário iludido.
Até mesmo o trabalho da roça, duro e cansativo, oferece aquela saudável sensação de estar se enriquecendo pelo dever cumprido. O suor que escorre pelos rostos queimados pelo sol inclemente é sempre recompensado pelas chuvas copiosas e abençoadas que as nuvens espalhadas pelo céu despejam, quando as tenras mudas das plantações apontam na terra a oferecer o fruto generoso que alimenta e fortifica.
O falar do erre arrastado e acentuado é o comportamento típico de um povo livre na sua manifestação oral, sem a preocupação gramatical e tampouco a pretensão da palavra rebuscada do erudito, que empolga no seu discurso fácil. Pode ser até ingênuo, mas transmite a clareza de uma sinceridade própria de amigos íntimos, da amizade profunda, de uma convivência sadia.
Enfim, não há alegria maior que conhecer as belezas que o campo oferece, gozar de um tempo tranqüilo em sua ingenuidade, sentir o gosto de estar de bem com a vida. A felicidade está em qualquer lugar. É só procurá-la. Viver na roça é, também, ser feliz e sentir saudade. Sempre.

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