25 de janeiro de 2010

LUZ E IMAGEM


Olhou a imagem azul refletida no espelho. Tentou fixar-se no passado, aproveitando-se de uma nesga de luz, que invadia a sombra da sala, enfraquecida no mesmo passo da volta que fazia.
Viu a massa amassada ganhando forma, como se a vida dependesse de um sopro para apressar os passos na busca do futuro.
O sorriso se perdeu no esmaecimento da face enrijecida.
A imagem foi se afastando, como se a despedida estivesse próxima.
Nesse instante, a luz se apagou.

RETRATOS


A caixa estava abandonada em um canto qualquer da casa. Bem fechada. Era uma caixa pequena, leve. Apanhei-a, balancei com as duas mãos, encostei aos ouvidos. Não senti nada. Nem ouvi nada. Também, não entendi que tivesse algo misterioso. Mas poderia ter. Não duvidei.
Na verdade, nem sei quem a colocou naquele lugar. Faz tanto tempo que está ali. Isso eu sei.
Assumi uma curiosidade estranha e tentei abri-la. A tampa estava muito bem colada. Era preciso cuidado.
E se fosse uma lembrança que provocasse saudade?
E era. Um retrato de minha mãe!

FOLHAS SECAS


É noite.
A música que ouço leva-me a levitar. Nas alturas, me perco em sonho. A música me acompanha. Os acordes que os instrumentos executam a tornam suave. Como suave é a noite.
Sou levado pela leve brisa que me toca, como as folhas secas sem vida, que despencam silenciosas de uma árvore triste de outono.
O parque me é bonito aos olhos. Me aprofundo entre as plantas, num zigue-zague que me confunde.
Interrompo a caminhada, para ouvir as vozes que os ventos provocam nas árvores. Umas alegres como nos dias felizes. Outras mostrando um semblante cansado da caminhada na vida. Lembranças de dias que fascinavam os olhos.
Não ouço mais a música. A noite ficou triste.

OLHOS PARA AS FLORES


Estava eu a andar despreocupado por uma rua movimentada, quando pisei forte sobre um tapete macio de flores, já sem vida. Flores que caíam num balanço de bailado, assopradas por um vento suave, que parecia acometido de um sentimento triste, naquele ato involuntário que o destino lhe reservava.
As flores que enfeitam os jardins são alegres como uma criança, que se diverte com um brinquedo qualquer, que acaba de ganhar. É só notar como se sentem felizes ao ouvir um elogio à sua beleza e entendem as palavras que saltam dos olhares de quem as corteja.
Fiquei tempo a reparar as flores que o pé de ipê estendia naquele tapete cor-de-rosa. Absorto com o chuvisco de pétalas aveludadas a me acariciarem o corpo. Nem havia reparado no senhor ao lado, óculos pretos, bengala, quieto, imóvel. Arrisquei uma conversa. Queria falar de flores, quando ele se virou, tirou os óculos e me perguntou: que flor exala esse perfume tão doce?
Olhei fundo nos seus olhos, dei-lhe os braços e o levei para o outro lado da rua.

FELICIDADE


Ao abrir a janela, logo pela manhã, deparei com uma paisagem que prenunciava um dia triste. O céu estava encoberto por nuvens escuras, barrando o sol, que lutava com seus raios fortes, para dar vida à natureza.
Uma chuva começou a forçar as pessoas a apressar os passos.
As flores, que enfeitavam os jardins, se encolhiam entre os ramos dos arbustos, à procura de abrigo. Pareciam tristes, como o próprio tempo.
Fios de água escorriam pela sarjeta, ganhando força ao alcançar a ladeira escorregadia e se perdiam no encontro do rio la embaixo.
Mas tudo passou de repente. Então, vi os raios do sol atravessando a chuva mansa, colorindo o céu, com a beleza de um arco-íris.
Meus olhos encheram-se de felicidade.

A VIAGEM

A estação da pequena cidade servia para as despedidas das pessoas que viajavam. E sempre reunia muita gente, principalmente os amigos mais íntimos.
Na rua principal morava um casal. Sem filhos. Marido e mulher gostavam de viajar, sempre juntos. Raramente um viajava sozinho. Quando isso acontecia, já haviam combinado a troca de correspondência, contando as belezas do lugar, as companhias, os passeios.
E aconteceu que, certa vez, só a mulher viajou. Muita gente foi até a estação, para as despedidas. O marido ficou triste e os amigos, também.
Como haviam combinado a troca de correspondência, ele ficou ansioso. O tempo foi passando e a mulher não mandava cartas.
Foi daí que ele tomou da caneta e passou a escrever-lhe. As cartas voltavam. O carteiro sentia a mesma tristeza dele, a cada dia que portava uma carta de volta.
E assim o tempo continuou passando. Muito tempo.
Uma tarde o marido também viajou. A estação ficou cheia de amigos. Um a um se despediu dele, dizendo, com muito sentimento, um adeus.