27 de julho de 2008

JOGANDO CONVERSA FORA

Não se sabe se a velhice é um prêmio ou um castigo. É isso que se fala à boca pequena. Há uma razão de ser para que ela seja assim entendida. Acontece que se a saúde não passar por nenhum abalo pelos caminhos da vida, isto é, se a pessoa chega à terceira ou quarta idade em perfeitas condições físicas e espirituais tudo bem. Mas nem sempre é assim. O passar do tempo deixa marcas no organismo que exigem atenção, e a procura de um médico –– ou de vários –– é indispensável. Bem, daí são recomendações mil. Na alimentação, nos exercícios físicos, nas caminhadas, repousar cedo, evitar isto e aquilo e, principalmente, muito cuidado com as intempéries, sobretudo no inverno. Quando a pessoa chega na terceira idade ela leva nas costas a aposentadoria, merecida, afirmam, depois de algumas décadas de trabalho árduo. Mas, quando chega perto dessa situação, um sem-número de conselhos bate na sua cabeça, recomendações de amigos nem sempre bem aceitas. Dizem para tomar cuidado, porque parar de repente pode ser complicado. É preciso arranjar outro emprego, nem que seja leve, somente para ocupar espaço, preencher a vida ociosa que passará a ter. Pior quando falam que fulano bateu as botas depois de pouco tempo aposentado. Um outro bateu com as dez porque não agüentou tanta ociosidade. Um terceiro passou para o andar de cima porque ficou isolado, sem a companhia dos colegas de trabalho, e tinha dificuldades em fazer novas amizades.
Bem, acho que esse é um tipo de conselho extremamente desagradável. O primeiro pensamento que vem à cabeça do aposentado é poder gozar a vida, viajar, conhecer lugares nunca antes visitados, sem ter que levantar de madrugada, com horário estabelecido para entrar no trabalho.
E tem mais. Como é saudável para o espírito e para a mente reunir-se com pessoas, ainda que sem aquela amizade íntima, para prosear, jogar conversa fora! Falar de política, futebol ou mesmo amenidades para passar o tempo.
Uma passada por praças e jardins da cidade, nas manhãs de sol preguiçoso, é suficiente para preencher de uma maneira bastante alegre o tempo que uma pessoa precisa depois de aposentado.
Claro que os tempos são outros. Casais juntam-se as mãos, caminham sem muita pressa e ao primeiro banco à disposição sentam-se. Ficam a admirar o céu azul, as flores que enfeitam os jardins, a mansidão das andorinhas nos seus vôos sem destino ou mesmo a algazarra das crianças brincando nos escorregadores, balanços, gangorras, e se distraindo com outros brinquedos, sob olhares dos pais sempre atentos.
Duas senhoras de cabelinhos lisos e brancos conversam animadamente à sombra de frondosa árvores, uma segurando uma bengala, para qualquer eventualidade, e outra um guarda-chuva, prevendo mudança do tempo.
Avós levam os netos a passear, compram presentes, guloseimas, mesmo para os gordinhos, para o desespero das mães. Brincam com eles, distraem-se, voltam ao tempo de criança. Isso não é bom para um aposentado? O que não é bom é ficar isolado, triste, esquecido na cadeira do papai em um canto da sala, recebendo uma nesga de sol que se infiltra pelas frestas das janelas. Não poder assistir a programas da televisão porque os olhos teimam em diminuir a distância e os ouvidos pedem a proteção das mãos em conchas.
Jogar conversa fora também faz parte da felicidade de quem já cumpriu suas obrigações na vida. Depois, é preciso esquecer o ditado que afirma que é mais bonito o choro de uma criança que o sorriso de um idoso. Bonito mesmo é que ambos possam sorrir juntos.

CORRESPONDÊNCIA DIÁRIA


Tempos atrás, quando o carteiro batia à porta de casa era recebido em meio a grande expectativa, em virtude de prováveis novidades ele estivesse portando em carta que entregava. Uma carta apenas, às vezes em espaço de tempo longo, porque a correspondência desse tipo ocorria normalmente entre parentes distantes, nem sempre com freqüência e apenas quando se registrava algum evento importante e o assunto merecia comunicação imediata. Fora isso, raramente havia contato com o funcionário do Correio, a não ser nos encontros de rua, para cumprimentos costumeiros, tão considerado era pelas famílias.

Outro dado interessante é que a correspondência demorava algum tempo para chegar até o destinatário, a não ser quando indicava uma condição expressa, provavelmente em função dessa necessidade e porque o assunto que portava revelaria urgência de conhecimento à pessoa endereçada.

Hoje não é assim. Os tempos passaram e provocaram uma mudança para facilitar o atendimento ao público. Na atualidade é mais que expressa. Foi criado o “Sedex”, com entrega em dois ou três dias e se exigido até em 24 horas. Então, melhorou sensivelmente, mesmo porque outros meios de comunicação entraram pra valer como uma espécie de concorrente em potencial. Entretanto, hoje, o volume de correspondência é maior.

Ao toque da campainha, vou receber a correspondência no portão de casa. O carteiro, solícito e atencioso, sorri, agradece e se despede, depois que assino recibo de um pacote especial.

A pressa me faz deixar tudo sobre uma escrivaninha. À noite, começo a abrir a batelada de envelopes. Neste tempo em que tudo é oferecido com muita facilidade, pouca coisa se aproveita da correspondência diária. Mas se é obrigado a ler carta por carta, ou, pelo menos, olhar rapidamente cada folder, sempre atraente. A primeira mensagem é uma dessas correntes que me prometem ficar rico em pouco tempo. É só mandar umas 10 mil cópias a amigos e inimigos. Trazem algumas advertências, entre elas evitar interrompê-las, pois pode acontecer uma tragédia na família.

Outra carta me diz que fui premiado com um título de sócio de um clube recreativo. Que bom, penso. Depois, leio que só pagarei módicas mensalidades e que é perto, só uns 200 quilômetros de onde moro.

Abro envelope por envelope, seleciono os assuntos, amasso, faço uma bola, miro o cesto e “chuá”, acerto em cheio. Três pontos a meu favor. Bem, o último me desperta interesse. Empresa de turismo oferece facilidade para uma viagem a Santiago de Compostela. Cartões postais maravilhosos.

É tarde, vou descansar, mas fico pensando: conhecer um caminho cercado de tanto misticismo, cantado em prosa e verso por tanta gente, fazer novos amigos e rezar. Sobretudo, fazer orações compenetradas para que os 800 quilômetros de caminhada me façam um turista feliz e convicto da fé que tenho.

Mas eis que o cantar do cuco no relógio da sala me faz despertar, pois é hora de começar um novo dia, cheio de compromissos inadiáveis. Que pena! O que aconteceu nessa viagem sonhada contarei em outra oportunidade, se houver tempo. Sonhar não faz mal a ninguém.

9 de julho de 2008

O AMANHECER NA ROCA

Era até estranho que tivessem lhe arranjado um lar em pleno centro da cidade, com ruas cercadas de prédios de apartamentos, residências e lojas comerciais por todos os lados. Quando novo, ensaiava cantos meio engasgados, solfejando notas como aprendizes de música. Claro, faltava-lhe um irmão ou vizinho com quem pudesse aprender ou imitar os cantos. Foi um autodidata e por fim sabia como mandar pelos ares e para longe o seu cantar.
Ultimamente, não tenho ouvido os sonoros cantos do galinho. Por certo, bandeou para outro galinheiro, uma chácara, sítio ou mesmo residência de algum lavrador das redondezas, onde continua na sua missão de relógio do romper dos dias.
Me lembro do alvorecer nas fazendas e bairros rurais, quando galos madrugadores anunciavam a chegada de um novo dia. Um cantava aqui, outro respondia lá na frente, num sentimento de solidariedade. Parecia um canto transformado em conversa que ia rompendo as barreiras das matas, levado para rincões longínquos. Na medida que o sol despontava davam por encerrada a incumbência que cada um tinha e se punham nos terreiros como chefes compenetrados de suas famílias bem-comportadas.
O amanhecer na roça é um resplandecer da natureza, embelezada pelos cantos de passarinhos. Cada um com seus afinados acordes, nas matas ou nos quintais, em árvores floridas ou nos aramados que cercam divisas de residências.
Como é bonito se ouvir o canto de um solitário sabiá empoleirado em galho de uma laranjeira. De colorido simples, cinzento-oliváceo, branco, do campo, pardo ou avermelhado, são populares e bons cantores. O sabiá-laranjeira tem um canto nostálgico e escritores o cantam em prosa e verso.
Nessa espécie de pássaros tem o sabiá-cavalo, que deve ser um bom cavaleiro; o sabiá-cachorro, mas desconheço se seu canto é parecido com latido; não sei se o sabiá-ferreiro bate bem bigorna; o sabiá-tropeiro deve ser uma boa companhia dos condutores de tropas. Uma série de outras denominações por todas as regiões do Brasil. Tem até o sabiá-verdadeiro.
Nos entardeceres do campo, o cantar dos sabiás é como uma canção de seresteiro em noite de luar, sob a janela da namorada, ao som de violão, flauta ou violino.
Só no amanhecer na roça se pode ouvir o piar melancólico do inhambuxororó e do inhambuxintã, quando na procura das sementeiras de roçados.
Pintassilgos, papa-capins, bem-te-vis, tuins e outros pássaros, empoleirados em algum galho seco ou em revoadas, levam seus cantos ao longe dos sítios e fazendas. Formam uma orquestra solidária às bênçãos de um dia de felicidade. Somente quando o sol é mais forte se escondem à sombra de frondosas árvores para descanso reparador.
A chuva mansa como gotículas que batem no telhado é uma suave manifestação das nuvens que vão e vêm, enquanto o azul do céu fica escondido. As batidas das águas nas pedras da cachoeira soam nas madrugadas como lenitivo a uma noite de insônia.
Que saudade dos amanheceres na roça e dos encantos da natureza!

FLORES E TAPETES

Toalhas de crochê, curtas ou compridas, que se estendem pela mesa de jantar, completam um visual bonito e acolhedor em uma sala bem cuidada.
Esse comportamento é próprio das senhoras, que cuidam com muito gosto e carinho de todos os detalhes, e proporcionam aos familiares e visitantes aquela sensação de um estado de felicidade completo.
Um piano mudo e esquecido num canto da sala é a presença viva de que um dia emitiu pelos ares sons de consagrados autores, dedilhados por uma jovem candidata a solista, na interpretação de peças belíssimas assinadas por Chopin, Mozart, Beethoven e outros. Cansado, o piano pode servir para amparar finos bibelôs sempre enriquecidos com novas peças juntadas ao sabor dos tempos.
Console é aquela peça de madeira esculpida, de ferro batido ou de pedra, presa ou encostada à parede. Uma espécie de aparador sempre enfeitado com artefatos de cristal, flores e até fotografias que lembram casamentos, filhos e parentes próximos. Também faz parte de um ambiente bem cuidado.
Outro destaque de uma sala é o tapete, que dá um toque de distinção, de sobriedade ao ambiente. Pode ser simples ou sofisticado, liso ou florido, macio. Mas há um detalhe nas linhas de um tapete que envolve o emaranhado dos seus pontos e cruzamentos.
Não são apenas os labirintos que interrompem passos que se possam dar nas caminhadas tecidas. Podem revelar alegria, vivida no auge da felicidade, ainda que em instantes de recolhimento, quando a imaginação voa na conquista do espaço fantasioso. Mas podem, também, manifestar o outro lado do infinito pensar de uma ilusão sentida e que o tempo traz à memória com crueldade indesejável. Não estariam escondidos no meio dos pontos tortuosos laços misteriosos de uma vida conturbada e cheia de percalços? O que pensou quem os teceu? Teria sido em momentos de tristeza ou amargura? Quem sabe?
Experimente alguém seguir as trilhas coloridas bordadas em um tapete e chegará à conclusão de traços misteriosos, cheios de obstáculos, que cansam e iludem.
O tapete de uma sala de visitas é agradável aos olhos, pelo seu desenho e cor, mas enganam aqueles que querem desvendar seus labirintos.
Melhor mesmo é o tapete mágico dos contos orientais, que enfeitam sonhos e aguçam a imaginação em seus vôos fantasiosos.

SEM EIRA NEM BEIRA

As boas coisas que circulam pela internet podem ser relembradas, eis que muitas delas aguçam a curiosidade em torno de seu entendimento. Expressões que ficaram marcadas no tempo e relembrá-las sempre é interessante pelo que revela seu conteúdo.
Quando se fala “nas coxas” pode, em princípio, causar impressão não verdadeira. Entretanto, as palavras traduzem que as primeiras telhas usadas nas casas no Brasil eram feitas de argila, moldadas nas coxas dos escravos. Como os escravos variavam de tamanho e porte físico as telhas ficavam todas desiguais devido aos diferentes tipos de coxas. Daí a expressão fazendo nas coxas, isto é, de qualquer jeito.
No embalo desse significado encaixa-se aquele referente aos telhados de antigamente, que possuíam eira e beira, detalhes que conferiam “status” ao dono do imóvel. Possuir eira e beira era sinal de riqueza e de cultura. Não ter eira nem beira significava que a pessoa era pobre, estava sem grana.
Conta-se que “ficar a ver navios” tem a seguinte história: dom Sebastião, rei de Portugal, havia morrido na batalha de Alcacer-Quibir, mas seu corpo nunca foi encontrado. Por esse motivo o povo português se recusava a acreditar na morte do monarca. Comum era as pessoas visitarem o Alto de Santa Catarina, em Lisboa, para esperar pelo rei. Como ele não voltou, o povo ficava a ver navios.
Quem já não ouviu falar que alguém não entende patavina? Pois é. “Os portugueses encontravam uma enorme dificuldade em entender o que falavam os frades patavinos, originários de Padova, Itália. Sendo assim, não entender patavina significa não entender nada”.
Esta é de farmacêutico: dourar a pílula. Antigamente as farmácias embrulhavam as pílulas em papel dourado, para melhorar o aspecto de remédio amargo. A expressão dourar a pílula significa melhorar a aparência de algo.
E como se explica a expressão conto do vigário? Duas igrejas –– seriam de Ouro Preto –– receberam uma imagem de santa como presente. Para decidir qual das duas ficaria com a escultura, os vigários contaram com a ajuda de um burro. A explicação é a seguinte: colocaram o burro entre as duas paróquias e o animal teria que caminhar até uma delas. Conta-se que a escolhida pelo quadrúpede teve treinamento do seu vigário.
Violência em família deu origem ao “voto de Minerva”. A história registra que Orestes, filho de Clitemnestra, foi acusado pelo assassinato da mãe, que havia assassinado o marido Agamenon, com a ajuda do amante Egisto. No julgamento, houve empate, cabendo à deusa Minerva a decisão, que foi a favor do réu. Eis porque o “voto de Minerva” entrou para a história como decisivo em questões de empate em julgamentos