29 de agosto de 2008

O CÃO E O MÊS DE AGOSTO


O cão é o melhor amigo do homem, ninguém duvida disso. São inúmeros os acontecimentos que comprovam a dedicação desse animal para com o seu dono ou com quem dele cuida. Tratado com carinho, dedicando-lhe atenção é um verdadeiro amigo de todas as horas. As pessoas que o têm sabem muito bem disso, com a alegria que manifesta a sua chegada em casa, da mesma maneira a tristeza com a sua ausência.
Um ditado muito popular afirma que é melhor mesmo ter um cão amigo que um amigo cão. E aí está tudo expresso a respeito de sua dedicação ao homem. Antigamente, era comum o cão ser atacado por uma doença incurável, que o levaria ao sacrifício.
Desde os tempos de criança eu ouvia falar que agosto era o mês do cachorro louco. E havia uma razão de ser. É que nessa época do ano ocorria o aparecimento da raiva nesse animal –– doença infecciosa, virótica, que acomete o sistema nervoso central e incide em mamíferos, cujo período de incubação vai de 20 a 60 dias. Fácil era perceber essa doença no cachorro, notadamente aqueles abandonados, que viviam soltos na rua, pois o animal aparecia expelindo baba constantemente.
Daí as crianças, que tinham pouca condição de segurança, recolhiam-se correndo para suas casas, enquanto a solução do problema ficava por conta dos adultos. Hoje a vacina anual evita que isso aconteça, pois já são raros os casos dessa doença.
Um caso do cachorro louco marcou minha vida para sempre, pois ainda continua vivo na minha memória e freqüentemente me vem à tona, sobretudo, com a chegada do mês de agosto. Um colega, naquele tempo da escola primária do bairro Paraíso, que pertencia a Piracicaba e hoje incorporado a Charqueada com a denominação de Paraisolândia, foi atacado por um cão acometido de raiva e hoje só restam saudades.
Esqueçamos as coisas tristes do passado. Melhor é lembrar agosto como o mês do folclore. Não poucas vezes, quando um acontecimento é reiteradamente revivido, diz-se que “isso é folclore”, algo inverossímil, que entrou no calendário como ficção. Folclore é muito mais que isso. A vida das pessoas é cercada de curiosidades que podem despertar uma série de sentimentos, como de alegria, felicidade, angústia e até medo.
Quando se ouve uma pessoa dizer que acredita em determinadas ocorrências, acentuadas pela divulgação oral dos povos, como lendas, crenças, costumes, cores, cantigas e outras mais, ela está perpetuando tradições folclóricas, aquilo que vem de muito longe e que passa de geração em geração.
O folclore é a manifestação espontânea de causos, cantigas de roda e de ninar, adivinhações, provérbios ou figuras conhecidas como saci-pererê, mula-sem-cabeça, vampiros e outras expressões populares.
As crendices vão do perigo de passar por baixo de uma escada, um gato preto atravessar a frente de uma pessoa, até benzimentos, mistura de frutas que fazem mal, sonhos com as mais variadas interpretações.
Uma infinidade de outros casos está ligada ao sentimento coletivo do folclore, cujo mês está chegando ao fim. Ah, mas há uma situação folclórica um tanto marota.
Sabem por que os defuntos ficam com os pés de frente para a porta de saída? Não? O folclore explica: é para eles saírem mais depressa da casa ou do velório e deixar a família em paz. Que falta de sentimento!

INVENTÁRIO DE SENTIMENTOS



O passar do tempo acumula na vida de cada pessoa registros que ficam guardados como riquezas sentimentais, jamais confundidas com heranças familiares, relacionadas em inventários de bens materiais.

Quando se fala em inventário o primeiro entendimento de manifestação das pessoas se relaciona com aquilo que é discriminado no rol de feitos que alguém acumulou na vida e deixa como patrimônio a gerações futuras ou mesmo lhe dá outra finalidade, como destinada a uma instituição filantrópica, neste caso, sobretudo, na falta de descendência familiar.

Entretanto, há um patrimônio que a gente forma na vida que não se identifica como riqueza material. É a soma de bens que se enriquece no dia a dia, que se fortalece nos encontros freqüentes, mas que nem sempre se perpetuam nas condições em que se alimentam e se limitam.

Estou refletindo no entendimento que se possa ter dos bens sentimentais. Se a gente parar por alguns instantes para pensar um pouco, deixando de lado as intempéries que assoberbam a vida de cada um e voltar no tempo, fácil é chegar ao inventário das coisas que são somadas diariamente. Não alimento a história que é escrita com lembranças representadas por jóias, móveis, adornos ou outro objeto qualquer que possa ser considerado relíquia ou ter algum valor particular. Refiro-me ao sentimento de simpatia, de estima mais íntima, enfim, de dedicação recíproca entre as pessoas, como a amizade.

Quantas amizades são feitas desde as brincadeiras que as crianças cultivam nos passatempos dos jogos de pião, bolinha de gude, pipas soltadas ao sabor dos ventos e tantas outras que marcam a vida da gente. Depois, na mocidade, nos divertimentos que mudam os interesses de cada um. E o tempo vai passando, muitas coisas esquecidas e algumas renovadas em encontros fortuitos, enquanto outras nascem para o rejuvenescimento da vida, na constituição de famílias e no círculo das amizades que se formam.

Nos tropeços com que as pedras interrompem os caminhos vividos, faz bem que alguns acontecimentos fiquem para trás, sejam esquecidos, porque não foram cimentados com a admiração que estreitam as amizades. Mas, a vida é tão cheia de desencontros que nem sempre carregam consigo os sentimentos que surgem de um momento para outro e que se perdem também na mesma constância, sem que se descubram motivos aparentes que os justifiquem. Talvez sejam amizades frágeis, passageiras, que não se consolidam na firmeza de sensibilidades mútuas. Nem encontros freqüentes parecem recuperar aqueles instantes cultivados. Sentimentos que se esmorecem pouco a pouco, como aqueles pingos tristes e solitários, que parecem lágrimas, ao final das chuvas. E tudo vai passando como se nada tivesse acontecido.

Fico a pensar que são bens sentimentais que voam nas asas da saudade e se perdem nos espaços que os céus cobrem, como nuvens que caminham ao léu e se desvanecem nos impulsos das ventanias. E nada se pode fazer, porque as mãos que os querem agarrar não chegam nas alturas em que eles se põem ou se escondem nos horizontes inalcançáveis.

Quisera ser um poeta para registrar em versos esse inventário da vida, pois só a poesia pode traduzir os sentimentos que cada um traz no coração, coração que se torna frágil e se curva na passagem dos tempos.

Por acaso, você nunca sentiu isso?

COMO PASSAR O INVERNO



As donas-de-casa têm uma dor de cabeça que não é física, sujeitas à obrigação de ter mais atenção com a poeira, que nesta época do ano faz a festa da sujeira nos lares.

As plantas também sofrem as conseqüências dessa estiagem. A grama dos jardins seca, as flores murcham. Perdem aquele vigor e a beleza dos tempos bons.

As pessoas olham o céu para ver se alguma nuvem lhes traz uma mensagem de chuva próxima. Mas, não. É um tal de esquenta-esfria sem fim.

As aves sentem a mudança de temperatura. Os passarinhos se escondem entre as folhagens das árvores e se aquietam, até que chega um momento para procurar o alimento necessário a sua sobrevivência.

O que salva um pouco são os pés de ipês que florescem, mas por pouco tempo, porque a vida das flores é efêmera. Mas vale a pena admirá-las, pois deixam o chão coberto com um tapete colorido. Primeiro, os roxos; depois, os amarelos; finalmente, os brancos.

Pulo a primavera para chegar ao verão. Chega o tempo das chuvas. Nuvens escuras desviam-se das montanhas e alcançam alturas. Relâmpagos riscam o espaço e provocam o estouro dos trovões. De repente, tudo passa. Alguém deve ter feito orações, porque as nuvens arrebentam-se em lençóis brancos e se perdem no espaço. Ninguém desconhece que um pedido aos céus ajuda a evitar tempestades quando feito com fé.

Bom é quando a chuva chega caindo mansamente, as andorinhas fazem a festa, banhando-se em vôo coreográfico no seu chilrear alegre.

Postado à janela, com pingos da chuva escorrendo pela vidraça, acompanho as cenas desse palco improvisado. Um menino empurra um barquinho na poça formada nos contornos da calçada, que aos poucos se dilui pelo fio que escorre e se enfia pelos corredores subterrâneos.

Num instante, o espaço se abre para um sol sonolento. A poça d’água secou e o menino sai com seu barquinho todo molhado.

A noite chega, a lua e as estrelas brilham no céu.

Fecho a janela. Magia do tempo.

Retorno à estação anterior. É primavera. Que bom! Flores reavivam os jardins para enfeitar a cidade de cores, que fica mais bonita, que oferece novo cenário e que torna o ambiente agradável para se viver com mais alegria.

9 de agosto de 2008

O CHAPÉU CAIU DE MODA



Na minha família uma cama e um lavatório marcam sua existência com mais de 100 anos, cujo valor é inestimável, quer como patrimônio e, principalmente, pelo aspecto sentimental.
Não me esqueci, não, de colocar na relação acima o porta-chapéus, peça facilmente encontrada nessas lojas de móveis usados. O porta-chapéus está um pouco em desuso na atualidade, mas é um móvel muito antigo. Não servia apenas para dependurar chapéus, como paletós e guarda-chuva. Agora, é enfeite de salas, serve como decoração em ambiente familiar.
Hoje quase ninguém usa chapéu. Nem para guarnecer a cabeleira de sol ou sereno e muito menos para aquele gesto natural nos cumprimentos às senhoras em encontros familiares ou na demonstração de respeito e carinho em apresentações de damas representativas da sociedade.
Um dia destes deparei-me com um chapéu colocado em um dos cabides desse móvel. Não parecia novo, pois os vincos não guardavam os efeitos característicos e estava coberto de fina camada de poeira destacada por raios do sol que batia na janela, o que denotava que há algum tempo ali descansava. Fiquei a olhá-lo e até simulei um diálogo, não correspondido, claro, mas me interessei um pouco em descobrir, ainda que em pensamento, como teria passado em vida.
Um chapéu, um simples chapéu. A cor amarronzada do feltro causava impressão de abandono. Não me arrisquei em perguntar aos que conversavam por perto a razão para guardar aquele acessório masculino.
Fujo um pouco dessa conversa simulada que pretendi estabelecer e faço meus pensamentos percorrerem o tempo passado, tentando encontrar a resposta que procuro.
Me vêm à memória perguntas que se entrelaçam no mistério que procuro desvendar.
Poderia ser uma lembrança a cutucar a memória de alguém que passou na vida daquelas pessoas a sua volta? Estaria aquele chapéu guardando alguma história sentimental? O que teria passado pela cabeça de quem o usou? Seria algo abandonado, como tudo que o tempo registra?
Perguntas mil me passaram pela cabeça. Não encontrei resposta. Ficou comigo a intenção de saber algo misterioso, como acontece com os curiosos.
Não sei se é um chapéu velho, esquecido no tempo, ou um velho chapéu, repositório de segredos e saudades.