29 de agosto de 2008

INVENTÁRIO DE SENTIMENTOS



O passar do tempo acumula na vida de cada pessoa registros que ficam guardados como riquezas sentimentais, jamais confundidas com heranças familiares, relacionadas em inventários de bens materiais.

Quando se fala em inventário o primeiro entendimento de manifestação das pessoas se relaciona com aquilo que é discriminado no rol de feitos que alguém acumulou na vida e deixa como patrimônio a gerações futuras ou mesmo lhe dá outra finalidade, como destinada a uma instituição filantrópica, neste caso, sobretudo, na falta de descendência familiar.

Entretanto, há um patrimônio que a gente forma na vida que não se identifica como riqueza material. É a soma de bens que se enriquece no dia a dia, que se fortalece nos encontros freqüentes, mas que nem sempre se perpetuam nas condições em que se alimentam e se limitam.

Estou refletindo no entendimento que se possa ter dos bens sentimentais. Se a gente parar por alguns instantes para pensar um pouco, deixando de lado as intempéries que assoberbam a vida de cada um e voltar no tempo, fácil é chegar ao inventário das coisas que são somadas diariamente. Não alimento a história que é escrita com lembranças representadas por jóias, móveis, adornos ou outro objeto qualquer que possa ser considerado relíquia ou ter algum valor particular. Refiro-me ao sentimento de simpatia, de estima mais íntima, enfim, de dedicação recíproca entre as pessoas, como a amizade.

Quantas amizades são feitas desde as brincadeiras que as crianças cultivam nos passatempos dos jogos de pião, bolinha de gude, pipas soltadas ao sabor dos ventos e tantas outras que marcam a vida da gente. Depois, na mocidade, nos divertimentos que mudam os interesses de cada um. E o tempo vai passando, muitas coisas esquecidas e algumas renovadas em encontros fortuitos, enquanto outras nascem para o rejuvenescimento da vida, na constituição de famílias e no círculo das amizades que se formam.

Nos tropeços com que as pedras interrompem os caminhos vividos, faz bem que alguns acontecimentos fiquem para trás, sejam esquecidos, porque não foram cimentados com a admiração que estreitam as amizades. Mas, a vida é tão cheia de desencontros que nem sempre carregam consigo os sentimentos que surgem de um momento para outro e que se perdem também na mesma constância, sem que se descubram motivos aparentes que os justifiquem. Talvez sejam amizades frágeis, passageiras, que não se consolidam na firmeza de sensibilidades mútuas. Nem encontros freqüentes parecem recuperar aqueles instantes cultivados. Sentimentos que se esmorecem pouco a pouco, como aqueles pingos tristes e solitários, que parecem lágrimas, ao final das chuvas. E tudo vai passando como se nada tivesse acontecido.

Fico a pensar que são bens sentimentais que voam nas asas da saudade e se perdem nos espaços que os céus cobrem, como nuvens que caminham ao léu e se desvanecem nos impulsos das ventanias. E nada se pode fazer, porque as mãos que os querem agarrar não chegam nas alturas em que eles se põem ou se escondem nos horizontes inalcançáveis.

Quisera ser um poeta para registrar em versos esse inventário da vida, pois só a poesia pode traduzir os sentimentos que cada um traz no coração, coração que se torna frágil e se curva na passagem dos tempos.

Por acaso, você nunca sentiu isso?

Um comentário:

Anônimo disse...

MARAVILHOOOOSO!!! É assim mesmo!!!Este texto me fez voltar na lembraça aqueles que passaram e deixaram saudades em minha existência. Lembro-me de Vinícius de Moraes " A vida é arte do encontro, embora haja tantos desencontros pela vida"... Parabéns Mestre Ludovico! Obrigada por deixar saudades por onde passa. Maria Emília redi