23 de maio de 2008

MOLECAGENS

Quando se é moleque, uma idade em que as responsabilidades ainda não fazem parte direta da vida, nada ou pouco se tem a pensar em termos de coisa séria. Realizadas aquelas obrigações corriqueiras exigidas pelos pais, próprias da capacidade de cada um, tudo é mais ou menos levado na brincadeira. É um tempo em que se pode fazer o pensamento voar e atirar-se a travessuras, pouco se dando a possíveis conseqüências que venham a acontecer. Na verdade, difícil é esconder algo de errado, porque o comportamento e a própria cara são delatores em potencial.
Chegada a época em que os estudos atingem a segunda fase, fácil é saber das necessidades de reuniões, para estudos em conjunto das matérias que já alcançam maiores dificuldades, distribuindo-se em residências diversas, isto é, uma vez e cada casa de aluno. Enquanto todos não estão presentes, um bate-papo para descontração, com cada um revelando aventuras do dia anterior, piadas e gargalhadas, que chamam a atenção daqueles que estão por perto.
Bem, hora de estudar exige seriedade de todos. Os assuntos são postos à mesa, discutidos até que se chegue a um entendimento comum. Claro que os debates quase sempre são acalorados, dado que a tese de cada um é defendida com argumentos convincentes.
Quando a reunião está mais quente chega a mãe de um estudioso, que é a dona da casa, para oferecer um cafezinho quente, acompanhado de bolo de cenoura, milho ou fubá. Mais um tempo para papo-furado. Quando percebem que todos os problemas escolares foram resolvidos, fecham-se livros e cadernos e canetas são guardadas. Como ninguém tem nada a resolver na vida, aparecem os momentos propícios para armações e brincadeiras. Pensamentos voam. Sugestões surgem. Definem-se as etapas. Mãos à obra.
O primeiro passo é saber quem se encarrega de começar as aventuras. Sempre tem alguém que é mais atirado e resolve fácil: “deixa comigo”.
Todos saem à rua. O ônibus aponta na esquina. Um deles sai correndo, movimentando os braços como interessado em apanhá-lo. O ônibus pára e ele continua a correr e vira a primeira esquina. De outra feita, o motorista pára, abre a porta e o malandrinho pergunta as horas.
Atendido, responde: “Obrigado, tio”. Claro que nem sempre o motorista, cansado e com fome, aceita esse comportamento numa boa e solta um palavrão, enquanto uns passageiros riem e outros ficam irritados.
Quantos pais não são iludidos por uma traquinagem do filho, que chega em casa com a mão sangrando e sustenta que caiu da bicicleta, rolou na rua cheia de pedras e feriu-se, mas a verdade é que ele tocou a campainha do vizinho próximo para sacaneá-lo e tenta sair correndo, mas se machuca naquelas flechas de ferro que encimam as grades das entradas dos jardins. O garoto faz cara feia, mas um pouco de iodo resolve o problema.
O comportamento dos moleques, não raro, chega mesmo a extrapolar das brincadeiras comuns e até parentes próximos podem ser alvos delas, como aqueles dois que a um descuido do tio abriram a porta do automóvel e acenderam um artefato com cheiro bem forte e característico de um pum. Imaginem quando o tio entrou no veículo. O cheiro infestou as proximidades.
E as traquinagens nas salas de aulas e nos corredores escolares, com apelidos aos professores e aprontadas aos mestres? Uns se fazem de desentendidos e outros não perdem a oportunidade para uma lição de moral.
Essas molecagens dos filhos os pais ficam sabendo após longo tempo. Quase sempre acontecem em reuniões familiares, com avós e netos presentes, quando cada um conta as peripécias de saudosos tempos de uma mocidade bem vivida. Todos riem e perdoam as brincadeiras e as mentiras bem urdidas, mesmo porque nada mais se pode fazer, pois nesses encontros o que vale mesmo são momentos de descontração e alegria.

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