25 de janeiro de 2010

LUZ E IMAGEM


Olhou a imagem azul refletida no espelho. Tentou fixar-se no passado, aproveitando-se de uma nesga de luz, que invadia a sombra da sala, enfraquecida no mesmo passo da volta que fazia.
Viu a massa amassada ganhando forma, como se a vida dependesse de um sopro para apressar os passos na busca do futuro.
O sorriso se perdeu no esmaecimento da face enrijecida.
A imagem foi se afastando, como se a despedida estivesse próxima.
Nesse instante, a luz se apagou.

RETRATOS


A caixa estava abandonada em um canto qualquer da casa. Bem fechada. Era uma caixa pequena, leve. Apanhei-a, balancei com as duas mãos, encostei aos ouvidos. Não senti nada. Nem ouvi nada. Também, não entendi que tivesse algo misterioso. Mas poderia ter. Não duvidei.
Na verdade, nem sei quem a colocou naquele lugar. Faz tanto tempo que está ali. Isso eu sei.
Assumi uma curiosidade estranha e tentei abri-la. A tampa estava muito bem colada. Era preciso cuidado.
E se fosse uma lembrança que provocasse saudade?
E era. Um retrato de minha mãe!

FOLHAS SECAS


É noite.
A música que ouço leva-me a levitar. Nas alturas, me perco em sonho. A música me acompanha. Os acordes que os instrumentos executam a tornam suave. Como suave é a noite.
Sou levado pela leve brisa que me toca, como as folhas secas sem vida, que despencam silenciosas de uma árvore triste de outono.
O parque me é bonito aos olhos. Me aprofundo entre as plantas, num zigue-zague que me confunde.
Interrompo a caminhada, para ouvir as vozes que os ventos provocam nas árvores. Umas alegres como nos dias felizes. Outras mostrando um semblante cansado da caminhada na vida. Lembranças de dias que fascinavam os olhos.
Não ouço mais a música. A noite ficou triste.

OLHOS PARA AS FLORES


Estava eu a andar despreocupado por uma rua movimentada, quando pisei forte sobre um tapete macio de flores, já sem vida. Flores que caíam num balanço de bailado, assopradas por um vento suave, que parecia acometido de um sentimento triste, naquele ato involuntário que o destino lhe reservava.
As flores que enfeitam os jardins são alegres como uma criança, que se diverte com um brinquedo qualquer, que acaba de ganhar. É só notar como se sentem felizes ao ouvir um elogio à sua beleza e entendem as palavras que saltam dos olhares de quem as corteja.
Fiquei tempo a reparar as flores que o pé de ipê estendia naquele tapete cor-de-rosa. Absorto com o chuvisco de pétalas aveludadas a me acariciarem o corpo. Nem havia reparado no senhor ao lado, óculos pretos, bengala, quieto, imóvel. Arrisquei uma conversa. Queria falar de flores, quando ele se virou, tirou os óculos e me perguntou: que flor exala esse perfume tão doce?
Olhei fundo nos seus olhos, dei-lhe os braços e o levei para o outro lado da rua.

FELICIDADE


Ao abrir a janela, logo pela manhã, deparei com uma paisagem que prenunciava um dia triste. O céu estava encoberto por nuvens escuras, barrando o sol, que lutava com seus raios fortes, para dar vida à natureza.
Uma chuva começou a forçar as pessoas a apressar os passos.
As flores, que enfeitavam os jardins, se encolhiam entre os ramos dos arbustos, à procura de abrigo. Pareciam tristes, como o próprio tempo.
Fios de água escorriam pela sarjeta, ganhando força ao alcançar a ladeira escorregadia e se perdiam no encontro do rio la embaixo.
Mas tudo passou de repente. Então, vi os raios do sol atravessando a chuva mansa, colorindo o céu, com a beleza de um arco-íris.
Meus olhos encheram-se de felicidade.

A VIAGEM

A estação da pequena cidade servia para as despedidas das pessoas que viajavam. E sempre reunia muita gente, principalmente os amigos mais íntimos.
Na rua principal morava um casal. Sem filhos. Marido e mulher gostavam de viajar, sempre juntos. Raramente um viajava sozinho. Quando isso acontecia, já haviam combinado a troca de correspondência, contando as belezas do lugar, as companhias, os passeios.
E aconteceu que, certa vez, só a mulher viajou. Muita gente foi até a estação, para as despedidas. O marido ficou triste e os amigos, também.
Como haviam combinado a troca de correspondência, ele ficou ansioso. O tempo foi passando e a mulher não mandava cartas.
Foi daí que ele tomou da caneta e passou a escrever-lhe. As cartas voltavam. O carteiro sentia a mesma tristeza dele, a cada dia que portava uma carta de volta.
E assim o tempo continuou passando. Muito tempo.
Uma tarde o marido também viajou. A estação ficou cheia de amigos. Um a um se despediu dele, dizendo, com muito sentimento, um adeus.

9 de novembro de 2009

OCASO
A noite não havia chegado e o dia avançava com as cores azuis que tingiam o céu. As flores e as folhagens que enfeitavam a varanda do casarão pareciam sorrir. Percebi na manifestação de encantamento que sentiam, remexendo os corpos, num bailado coreografado de cores e luzes. A janela que dava para o quintal estava aberta. Fiquei longo tempo silencioso, admirando toda aquela agitação, que parecia acompanhada de um melodioso canto, provocado pela leve brisa, que invadia o ambiente alegre. Pensei no vento intruso, incitando o soar de música sublime, que variava nos bemóis ao bater nas talas frias das cortinas. Num vaivém lento e macio, andei pra cá e pra la. Conversei com as flores e com as folhagens. Com as samambaias que desciam aos meus pés, como se estivessem vestidas de vestido longo, para a dança da noite. Não me ouviram. Olhei lá fora e encontrei a razão da festa. Notei um sorriso maroto do sol, que ia se escondendo lentamente, despedindo-se la longe, nos confins da terra.
Era a última cena do dia. Fiquei triste. Fechei a janela e me recolhi.

13 de novembro de 2008

O JORNAL NO CAFÉ DA MANHÃ




É costume de todo cidadão, ou quase, logo pela manhã, apanhar o jornal à porta da sala, se reside em apartamento, ou portão do jardim, se em casa, para se inteirar das notícias do dia. Coloca o matutino à mesa do café e vai virando as páginas, enquanto faz o desjejum. O noticiário é variado, para agradar a todos. Uns vão direto para a página de esportes, para saber sobre o seu time do coração ou para "secar" aqueles que o perturbam em sua caminhada na busca de um feito memorável. Outros querem se inteirar do noticiário político, das atividades daqueles que têm a responsabilidade de governar. Divertem-se com entrevistas que dizem pouco, que nada trazem de útil ao eleitorado ou, então, com manifestações que ficam longe da verdade. Revoltam-se ou riem com tantas baboseiras. Já o empresariado prefere ir direto para os tratamentos que dizem respeito à economia, à sua atividade produtora ou oferecedora de serviços à comunidade. Quer saber como andam as moedas que ditam valores no mercado nacional e internacional. Outros vão para as páginas dos acontecimentos policiais, que, tristemente, nunca registram algo de bom. Claro que as reportagens repetitivas cansam e não agradam a ninguém.
A verdade é que o cidadão aguarda com ansiedade a chegada logo pela manhã do seu jornal. Se não puder tomar conhecimento geral do que acontece ainda em casa, dá uma olhada geral, dobra-o com carinho e agasalha-o debaixo do braço para uma leitura mais à vontade na disponibilidade do tempo em ônibus ou local do trabalho. É uma obrigação que não pode fugir à realidade cotidiana. Feliz é aquele que, já aposentado, senta-se à cadeira disposta em sala aconchegante e lê despreocupadamente as notícias de ponta a ponta do jornal. Nem as páginas sociais, os anúncios e as notas de falecimento ficam de lado. Absorve tudo com o maior prazer, para, depois, comentar e trocar opiniões com seus amigos em encontros nas ruas, bancos de jardins, filas de espera de chamadas dos caixas bancários ou mesmo em bares saboreando um quitute ou uma cerveja gelada.
Não sei qual o motivo, se é superstição ou simples prazer pela inversão de algo de seu interesse, mas um conhecido meu costuma iniciar a leitura da última página para a primeira. Ele vai deixando para trás notícias de pouco interesse, no seu entender, registradas aos baldes. Prefere crônicas do cotidiano, leves. Tem seu cronista preferido, aquele que fala a sua linguagem e o que pensa, que focaliza assunto que pode ser corriqueiro, mas que é a imagem da sua cidade, representada até por um acontecimento fortuito, mas traduzido de maneira simples, às vezes, romântica, outras literária. Se tem preferência por um ou outro cronista nunca revelou. Mas não deixa de reclamar do chato, aquele que prefere ficar enrolando um assunto sem definição, enchendo lingüiça. Nunca deixa de ler as tiras humorísticas que são de seu agrado. As palavras cruzadas lhe são um desafio e bom passatempo. Gosta de ler a coluna do leitor e aplaude quando o assunto guarda o seu ponto de vista. É cético quanto às pesquisas de opinião pública, em razão de ser pouco representativa em termos de número de cidadãos questionados como dos locais visados.
O jornal no café da manhã é um bom companheiro, oportunidade em que o cidadão se inteira dos acontecimentos que são registrados pelo mundo afora. E nada melhor que sair para o trabalho ou encetar uma viagem a negócios que estar a par das últimas notícias que rolam por aí. Para encerrar, por acaso alguém deixa de correr os olhos pelos horóscopos para saber como será seu dia nas observações feitas pelos especialistas do assunto?

8 de novembro de 2008

NO TEMPO DO PÓ-DE-ARROZ



Não sei, mas as moças que fazem tratamento com cremes na atualidade, por certo, não têm conhecimento de como outrora eram utilizados os produtos para a limpeza e conservação da pele. Mas as jovens senhoras da década de quarenta do século passado devem bem se lembrar dos cosméticos usados na época. Bem diferentes das indústrias multinacionais de hoje, não havia tanta multiplicidade de escolha. O pó de arroz “Lady”, o ruge e o batom e praticamente só. Havia, também, o creme Rugol, desnecessário acentuar a sua finalidade, senão como preparado para mandar às favas as rugas. Esses produtos eram vendidos em lojas de armarinhos e boticas, usados para torná-las mais bonitas, claro, sobretudo, em festas familiares, como casamentos, batizados e missas, assim necessário sempre que um visual menos castigado pelo tempo o exigisse em qualquer comemoração. Até vendedores ambulantes, que perambulavam pelos bairros retirados da área central da cidade, sítios e fazendas, levavam em suas bugigangas esses produtos, além de botões, rendas, peças de tecidos de brim, colchetes, carretéis de linhas para diversos tipos de costura, dedais e outros tantos objetos de interesse das senhoras. Não raras vezes, na falta de moeda corrente, a venda tinha sentido de troca, como antanho acontecia, com ovos, frangos, galinhas, mesmo produtos hortifrutigranjeiros.

Hoje já existe um número incontável à escolha, inclusive no tratamento da face, colo e braços, tendo em vista as mudanças de clima, principalmente o sol inclemente que prejudica muito a pele.

Naquele tempo, as senhoras chegavam até o balconista das lojas de armarinhos ou das boticas e pediam uma caixinha, que era de papelão, do pó de arroz “Ladi”, assim mesmo, e não “Leide”, a verdadeira pronúncia, título dado a certas damas da aristocracia inglesa. Época em que os Farmacêuticos preparavam em seus laboratórios particulares, que ficavam nos fundos das farmácias, as poções recomendadas pelos médicos, para tudo quanto era doença. Por sinal, as farmácias tinham um aspecto muito próprio para a especialidade, armários envidraçados de madeira escura e uma espécie de divisória, mais ou menos de um metro de altura, com colunas artisticamente confeccionadas por marceneiros, que separavam no atendimento ao público. Claro, não faltava um banco para descanso enquanto o interessado aguardava o preparo do remédio ou até mesmo para bate-papos entre amigos, em momentos de descontração. Lembro-me muito bem disso, não estou enganado. Vale lembrar ainda que em todo início do ano os boticários distribuíam almanaques, muito procurados, como Capivarol, que trazia dicas as mais variadas sobre época de plantações, curiosidades, como uma carta enigmática, e Saúde da Mulher, dirigida exclusivamente às senhoras.

Na verdade, muito tempo se passou até que a vaidade feminina exigisse novos produtos, para sua satisfação, bem como atrativo aos jovens conquistadores. Então, a multiplicidade de bases para a aplicação dos produtos essenciais passou a fazer parte do consumo diário de uma forma mais atraente para mocinhas e senhoras de todas as idades.

Uma volta ao passado faz bem, não apenas como recordação de uma época muito especial para senhoras, mas igualmente tantas são as curiosidades, que, por certo, ficaram guardadas na história do tempo.

23 de setembro de 2008

ÍMÃS DE GELADEIRAS


Difícil um lar hoje em dia que não tenha uma geladeira empetecada de ímãs. Pequenos objetos característicos de um lugar, comprados ou presenteados, de qualidade e procedências as mais diversas. Fazem parte de retornos de viagens, como lembranças de visitas feitas a lojas de cidades, muito próprias de turistas. Finos em qualidade, produzidos por empresas especializadas, ou de feitio artesanal, constituem figuras específicas de uma localidade, muitas vezes, também, um símbolo apropriado ou escolhido através de enquetes para representar uma organização, um grupo, um povo ou um país.


Em cidades turísticas são dezenas as lojas que se especializam em manter estoques desses suvenires, sabido do interesse em adquiri-los da parte de viajantes, passeadores e excursionistas para tê-los como recordação, não apenas para si próprios como para presentes a parentes e amigos. A maioria deles bonitos e interessantes, daí servirem como enfeites no eletrodoméstico imprescindível em qualquer lar.


São dos mais variados os tipos de ímãs de geladeira. Tudo o que possa servir de motivo é lembrado para representar esses pequenos objetos tão apreciados por parte de muita gente. Assim é que figuram entre eles reproduções da fauna e flora, aniversários, batizados e casamentos, pessoas, veículos dos mais variados tipos, casinholas. Dependendo da procedência, como uma cidade procurada por visitantes para cumprir promessa por uma graça alcançada, até figuras de Santos são cunhadas em madeira. Outras, como litorâneas, o motivo justificado procede dos mares. Já aquelas em que o artesanato é o forte da imaginação, como o nordeste e o norte, figuram miniaturas concebidas em reproduções de tipos característicos da região, desde aves e animais até cangaceiros em trajes típicos.


Ímãs de geladeira vêm de muito longe. Turistas que visitam os quatro cantos do mundo não se esquecem de incluir na bagagem de volta objetos dessa natureza. Assim, não é difícil encontrar uma dessas peças imantadas trazidas de países de um dos cinco Continentes, desde que seja uma lembrança significativa para quem vai recebê-la.


Embora esses objetos guardem um motivo especial, para quem adquire ou recebe de presente, lembro aqui um que tem um significado por demais peculiar. Trata-se do Galinho de Barcelos, Portugal. É uma figurinha colorida, com postura altiva e muito simpática, e, dizem, traz muita sorte para quem ganha como brinde, que se tornou uma tradição pelas bandas portuguesas.


Conta a história que, em tempos que vão longe, o povoado de Barcelos ficou sobressaltado com um misterioso crime ocorrido no local e que desconhecia o assassino, quando apareceu um peregrino, logo tido como o autor ou, pelo menos, visto como suspeito. Aconteceu, então, que esse viajante foi preso e condenado à forca. Baldados foram os seus argumentos que estava de passagem pela cidade, jurando inocência, pois tinha em mira visitar Santiago de Compostela.


Como ninguém acreditou nas suas palavras e como último recurso para escapar do enforcamento solicitou uma audiência com o Juiz que decretou sua condenação. Bateu à porta da casa do magistrado, que, na companhia de amigos, apreciava um lauto jantar. Jurou à frente de todos que nada tinha a ver com o acontecido, mas recebeu como resposta uma demorada gargalhada. Cabisbaixo e sem muita esperança aguardou que um momento de silêncio ganhasse corpo no ambiente. Levantou a cabeça e muito senhor de si olhou nos olhos de cada um dos presentes e, apontando para o galo assado que servia de repasto, proclamou em alto e bom som que era tão certa a sua inocência que a ave cantaria quando do seu enforcamento. Retirou-se e, novamente, ouviu gargalhada que ecoou longe. Mas suas palavras fincaram fundo no sentimento dos comensais, ninguém quis comer o galo e todos esperaram para saber o que aconteceria. No instante do enforcamento, o galo levantou-se na mesa e todo altaneiro cantou, assustando os presentes, que saíram em desabalada correria, uns tropeçando nos outros. A graça aconteceu e o peregrino seguiu seu caminho. Depois de tempo mandou construir em Barcelos o Cruzeiro do Galo, em louvor a São Thiago e a Nossa Senhora.

29 de agosto de 2008

O CÃO E O MÊS DE AGOSTO


O cão é o melhor amigo do homem, ninguém duvida disso. São inúmeros os acontecimentos que comprovam a dedicação desse animal para com o seu dono ou com quem dele cuida. Tratado com carinho, dedicando-lhe atenção é um verdadeiro amigo de todas as horas. As pessoas que o têm sabem muito bem disso, com a alegria que manifesta a sua chegada em casa, da mesma maneira a tristeza com a sua ausência.
Um ditado muito popular afirma que é melhor mesmo ter um cão amigo que um amigo cão. E aí está tudo expresso a respeito de sua dedicação ao homem. Antigamente, era comum o cão ser atacado por uma doença incurável, que o levaria ao sacrifício.
Desde os tempos de criança eu ouvia falar que agosto era o mês do cachorro louco. E havia uma razão de ser. É que nessa época do ano ocorria o aparecimento da raiva nesse animal –– doença infecciosa, virótica, que acomete o sistema nervoso central e incide em mamíferos, cujo período de incubação vai de 20 a 60 dias. Fácil era perceber essa doença no cachorro, notadamente aqueles abandonados, que viviam soltos na rua, pois o animal aparecia expelindo baba constantemente.
Daí as crianças, que tinham pouca condição de segurança, recolhiam-se correndo para suas casas, enquanto a solução do problema ficava por conta dos adultos. Hoje a vacina anual evita que isso aconteça, pois já são raros os casos dessa doença.
Um caso do cachorro louco marcou minha vida para sempre, pois ainda continua vivo na minha memória e freqüentemente me vem à tona, sobretudo, com a chegada do mês de agosto. Um colega, naquele tempo da escola primária do bairro Paraíso, que pertencia a Piracicaba e hoje incorporado a Charqueada com a denominação de Paraisolândia, foi atacado por um cão acometido de raiva e hoje só restam saudades.
Esqueçamos as coisas tristes do passado. Melhor é lembrar agosto como o mês do folclore. Não poucas vezes, quando um acontecimento é reiteradamente revivido, diz-se que “isso é folclore”, algo inverossímil, que entrou no calendário como ficção. Folclore é muito mais que isso. A vida das pessoas é cercada de curiosidades que podem despertar uma série de sentimentos, como de alegria, felicidade, angústia e até medo.
Quando se ouve uma pessoa dizer que acredita em determinadas ocorrências, acentuadas pela divulgação oral dos povos, como lendas, crenças, costumes, cores, cantigas e outras mais, ela está perpetuando tradições folclóricas, aquilo que vem de muito longe e que passa de geração em geração.
O folclore é a manifestação espontânea de causos, cantigas de roda e de ninar, adivinhações, provérbios ou figuras conhecidas como saci-pererê, mula-sem-cabeça, vampiros e outras expressões populares.
As crendices vão do perigo de passar por baixo de uma escada, um gato preto atravessar a frente de uma pessoa, até benzimentos, mistura de frutas que fazem mal, sonhos com as mais variadas interpretações.
Uma infinidade de outros casos está ligada ao sentimento coletivo do folclore, cujo mês está chegando ao fim. Ah, mas há uma situação folclórica um tanto marota.
Sabem por que os defuntos ficam com os pés de frente para a porta de saída? Não? O folclore explica: é para eles saírem mais depressa da casa ou do velório e deixar a família em paz. Que falta de sentimento!

INVENTÁRIO DE SENTIMENTOS



O passar do tempo acumula na vida de cada pessoa registros que ficam guardados como riquezas sentimentais, jamais confundidas com heranças familiares, relacionadas em inventários de bens materiais.

Quando se fala em inventário o primeiro entendimento de manifestação das pessoas se relaciona com aquilo que é discriminado no rol de feitos que alguém acumulou na vida e deixa como patrimônio a gerações futuras ou mesmo lhe dá outra finalidade, como destinada a uma instituição filantrópica, neste caso, sobretudo, na falta de descendência familiar.

Entretanto, há um patrimônio que a gente forma na vida que não se identifica como riqueza material. É a soma de bens que se enriquece no dia a dia, que se fortalece nos encontros freqüentes, mas que nem sempre se perpetuam nas condições em que se alimentam e se limitam.

Estou refletindo no entendimento que se possa ter dos bens sentimentais. Se a gente parar por alguns instantes para pensar um pouco, deixando de lado as intempéries que assoberbam a vida de cada um e voltar no tempo, fácil é chegar ao inventário das coisas que são somadas diariamente. Não alimento a história que é escrita com lembranças representadas por jóias, móveis, adornos ou outro objeto qualquer que possa ser considerado relíquia ou ter algum valor particular. Refiro-me ao sentimento de simpatia, de estima mais íntima, enfim, de dedicação recíproca entre as pessoas, como a amizade.

Quantas amizades são feitas desde as brincadeiras que as crianças cultivam nos passatempos dos jogos de pião, bolinha de gude, pipas soltadas ao sabor dos ventos e tantas outras que marcam a vida da gente. Depois, na mocidade, nos divertimentos que mudam os interesses de cada um. E o tempo vai passando, muitas coisas esquecidas e algumas renovadas em encontros fortuitos, enquanto outras nascem para o rejuvenescimento da vida, na constituição de famílias e no círculo das amizades que se formam.

Nos tropeços com que as pedras interrompem os caminhos vividos, faz bem que alguns acontecimentos fiquem para trás, sejam esquecidos, porque não foram cimentados com a admiração que estreitam as amizades. Mas, a vida é tão cheia de desencontros que nem sempre carregam consigo os sentimentos que surgem de um momento para outro e que se perdem também na mesma constância, sem que se descubram motivos aparentes que os justifiquem. Talvez sejam amizades frágeis, passageiras, que não se consolidam na firmeza de sensibilidades mútuas. Nem encontros freqüentes parecem recuperar aqueles instantes cultivados. Sentimentos que se esmorecem pouco a pouco, como aqueles pingos tristes e solitários, que parecem lágrimas, ao final das chuvas. E tudo vai passando como se nada tivesse acontecido.

Fico a pensar que são bens sentimentais que voam nas asas da saudade e se perdem nos espaços que os céus cobrem, como nuvens que caminham ao léu e se desvanecem nos impulsos das ventanias. E nada se pode fazer, porque as mãos que os querem agarrar não chegam nas alturas em que eles se põem ou se escondem nos horizontes inalcançáveis.

Quisera ser um poeta para registrar em versos esse inventário da vida, pois só a poesia pode traduzir os sentimentos que cada um traz no coração, coração que se torna frágil e se curva na passagem dos tempos.

Por acaso, você nunca sentiu isso?

COMO PASSAR O INVERNO



As donas-de-casa têm uma dor de cabeça que não é física, sujeitas à obrigação de ter mais atenção com a poeira, que nesta época do ano faz a festa da sujeira nos lares.

As plantas também sofrem as conseqüências dessa estiagem. A grama dos jardins seca, as flores murcham. Perdem aquele vigor e a beleza dos tempos bons.

As pessoas olham o céu para ver se alguma nuvem lhes traz uma mensagem de chuva próxima. Mas, não. É um tal de esquenta-esfria sem fim.

As aves sentem a mudança de temperatura. Os passarinhos se escondem entre as folhagens das árvores e se aquietam, até que chega um momento para procurar o alimento necessário a sua sobrevivência.

O que salva um pouco são os pés de ipês que florescem, mas por pouco tempo, porque a vida das flores é efêmera. Mas vale a pena admirá-las, pois deixam o chão coberto com um tapete colorido. Primeiro, os roxos; depois, os amarelos; finalmente, os brancos.

Pulo a primavera para chegar ao verão. Chega o tempo das chuvas. Nuvens escuras desviam-se das montanhas e alcançam alturas. Relâmpagos riscam o espaço e provocam o estouro dos trovões. De repente, tudo passa. Alguém deve ter feito orações, porque as nuvens arrebentam-se em lençóis brancos e se perdem no espaço. Ninguém desconhece que um pedido aos céus ajuda a evitar tempestades quando feito com fé.

Bom é quando a chuva chega caindo mansamente, as andorinhas fazem a festa, banhando-se em vôo coreográfico no seu chilrear alegre.

Postado à janela, com pingos da chuva escorrendo pela vidraça, acompanho as cenas desse palco improvisado. Um menino empurra um barquinho na poça formada nos contornos da calçada, que aos poucos se dilui pelo fio que escorre e se enfia pelos corredores subterrâneos.

Num instante, o espaço se abre para um sol sonolento. A poça d’água secou e o menino sai com seu barquinho todo molhado.

A noite chega, a lua e as estrelas brilham no céu.

Fecho a janela. Magia do tempo.

Retorno à estação anterior. É primavera. Que bom! Flores reavivam os jardins para enfeitar a cidade de cores, que fica mais bonita, que oferece novo cenário e que torna o ambiente agradável para se viver com mais alegria.

9 de agosto de 2008

O CHAPÉU CAIU DE MODA



Na minha família uma cama e um lavatório marcam sua existência com mais de 100 anos, cujo valor é inestimável, quer como patrimônio e, principalmente, pelo aspecto sentimental.
Não me esqueci, não, de colocar na relação acima o porta-chapéus, peça facilmente encontrada nessas lojas de móveis usados. O porta-chapéus está um pouco em desuso na atualidade, mas é um móvel muito antigo. Não servia apenas para dependurar chapéus, como paletós e guarda-chuva. Agora, é enfeite de salas, serve como decoração em ambiente familiar.
Hoje quase ninguém usa chapéu. Nem para guarnecer a cabeleira de sol ou sereno e muito menos para aquele gesto natural nos cumprimentos às senhoras em encontros familiares ou na demonstração de respeito e carinho em apresentações de damas representativas da sociedade.
Um dia destes deparei-me com um chapéu colocado em um dos cabides desse móvel. Não parecia novo, pois os vincos não guardavam os efeitos característicos e estava coberto de fina camada de poeira destacada por raios do sol que batia na janela, o que denotava que há algum tempo ali descansava. Fiquei a olhá-lo e até simulei um diálogo, não correspondido, claro, mas me interessei um pouco em descobrir, ainda que em pensamento, como teria passado em vida.
Um chapéu, um simples chapéu. A cor amarronzada do feltro causava impressão de abandono. Não me arrisquei em perguntar aos que conversavam por perto a razão para guardar aquele acessório masculino.
Fujo um pouco dessa conversa simulada que pretendi estabelecer e faço meus pensamentos percorrerem o tempo passado, tentando encontrar a resposta que procuro.
Me vêm à memória perguntas que se entrelaçam no mistério que procuro desvendar.
Poderia ser uma lembrança a cutucar a memória de alguém que passou na vida daquelas pessoas a sua volta? Estaria aquele chapéu guardando alguma história sentimental? O que teria passado pela cabeça de quem o usou? Seria algo abandonado, como tudo que o tempo registra?
Perguntas mil me passaram pela cabeça. Não encontrei resposta. Ficou comigo a intenção de saber algo misterioso, como acontece com os curiosos.
Não sei se é um chapéu velho, esquecido no tempo, ou um velho chapéu, repositório de segredos e saudades.

27 de julho de 2008

JOGANDO CONVERSA FORA

Não se sabe se a velhice é um prêmio ou um castigo. É isso que se fala à boca pequena. Há uma razão de ser para que ela seja assim entendida. Acontece que se a saúde não passar por nenhum abalo pelos caminhos da vida, isto é, se a pessoa chega à terceira ou quarta idade em perfeitas condições físicas e espirituais tudo bem. Mas nem sempre é assim. O passar do tempo deixa marcas no organismo que exigem atenção, e a procura de um médico –– ou de vários –– é indispensável. Bem, daí são recomendações mil. Na alimentação, nos exercícios físicos, nas caminhadas, repousar cedo, evitar isto e aquilo e, principalmente, muito cuidado com as intempéries, sobretudo no inverno. Quando a pessoa chega na terceira idade ela leva nas costas a aposentadoria, merecida, afirmam, depois de algumas décadas de trabalho árduo. Mas, quando chega perto dessa situação, um sem-número de conselhos bate na sua cabeça, recomendações de amigos nem sempre bem aceitas. Dizem para tomar cuidado, porque parar de repente pode ser complicado. É preciso arranjar outro emprego, nem que seja leve, somente para ocupar espaço, preencher a vida ociosa que passará a ter. Pior quando falam que fulano bateu as botas depois de pouco tempo aposentado. Um outro bateu com as dez porque não agüentou tanta ociosidade. Um terceiro passou para o andar de cima porque ficou isolado, sem a companhia dos colegas de trabalho, e tinha dificuldades em fazer novas amizades.
Bem, acho que esse é um tipo de conselho extremamente desagradável. O primeiro pensamento que vem à cabeça do aposentado é poder gozar a vida, viajar, conhecer lugares nunca antes visitados, sem ter que levantar de madrugada, com horário estabelecido para entrar no trabalho.
E tem mais. Como é saudável para o espírito e para a mente reunir-se com pessoas, ainda que sem aquela amizade íntima, para prosear, jogar conversa fora! Falar de política, futebol ou mesmo amenidades para passar o tempo.
Uma passada por praças e jardins da cidade, nas manhãs de sol preguiçoso, é suficiente para preencher de uma maneira bastante alegre o tempo que uma pessoa precisa depois de aposentado.
Claro que os tempos são outros. Casais juntam-se as mãos, caminham sem muita pressa e ao primeiro banco à disposição sentam-se. Ficam a admirar o céu azul, as flores que enfeitam os jardins, a mansidão das andorinhas nos seus vôos sem destino ou mesmo a algazarra das crianças brincando nos escorregadores, balanços, gangorras, e se distraindo com outros brinquedos, sob olhares dos pais sempre atentos.
Duas senhoras de cabelinhos lisos e brancos conversam animadamente à sombra de frondosa árvores, uma segurando uma bengala, para qualquer eventualidade, e outra um guarda-chuva, prevendo mudança do tempo.
Avós levam os netos a passear, compram presentes, guloseimas, mesmo para os gordinhos, para o desespero das mães. Brincam com eles, distraem-se, voltam ao tempo de criança. Isso não é bom para um aposentado? O que não é bom é ficar isolado, triste, esquecido na cadeira do papai em um canto da sala, recebendo uma nesga de sol que se infiltra pelas frestas das janelas. Não poder assistir a programas da televisão porque os olhos teimam em diminuir a distância e os ouvidos pedem a proteção das mãos em conchas.
Jogar conversa fora também faz parte da felicidade de quem já cumpriu suas obrigações na vida. Depois, é preciso esquecer o ditado que afirma que é mais bonito o choro de uma criança que o sorriso de um idoso. Bonito mesmo é que ambos possam sorrir juntos.

CORRESPONDÊNCIA DIÁRIA


Tempos atrás, quando o carteiro batia à porta de casa era recebido em meio a grande expectativa, em virtude de prováveis novidades ele estivesse portando em carta que entregava. Uma carta apenas, às vezes em espaço de tempo longo, porque a correspondência desse tipo ocorria normalmente entre parentes distantes, nem sempre com freqüência e apenas quando se registrava algum evento importante e o assunto merecia comunicação imediata. Fora isso, raramente havia contato com o funcionário do Correio, a não ser nos encontros de rua, para cumprimentos costumeiros, tão considerado era pelas famílias.

Outro dado interessante é que a correspondência demorava algum tempo para chegar até o destinatário, a não ser quando indicava uma condição expressa, provavelmente em função dessa necessidade e porque o assunto que portava revelaria urgência de conhecimento à pessoa endereçada.

Hoje não é assim. Os tempos passaram e provocaram uma mudança para facilitar o atendimento ao público. Na atualidade é mais que expressa. Foi criado o “Sedex”, com entrega em dois ou três dias e se exigido até em 24 horas. Então, melhorou sensivelmente, mesmo porque outros meios de comunicação entraram pra valer como uma espécie de concorrente em potencial. Entretanto, hoje, o volume de correspondência é maior.

Ao toque da campainha, vou receber a correspondência no portão de casa. O carteiro, solícito e atencioso, sorri, agradece e se despede, depois que assino recibo de um pacote especial.

A pressa me faz deixar tudo sobre uma escrivaninha. À noite, começo a abrir a batelada de envelopes. Neste tempo em que tudo é oferecido com muita facilidade, pouca coisa se aproveita da correspondência diária. Mas se é obrigado a ler carta por carta, ou, pelo menos, olhar rapidamente cada folder, sempre atraente. A primeira mensagem é uma dessas correntes que me prometem ficar rico em pouco tempo. É só mandar umas 10 mil cópias a amigos e inimigos. Trazem algumas advertências, entre elas evitar interrompê-las, pois pode acontecer uma tragédia na família.

Outra carta me diz que fui premiado com um título de sócio de um clube recreativo. Que bom, penso. Depois, leio que só pagarei módicas mensalidades e que é perto, só uns 200 quilômetros de onde moro.

Abro envelope por envelope, seleciono os assuntos, amasso, faço uma bola, miro o cesto e “chuá”, acerto em cheio. Três pontos a meu favor. Bem, o último me desperta interesse. Empresa de turismo oferece facilidade para uma viagem a Santiago de Compostela. Cartões postais maravilhosos.

É tarde, vou descansar, mas fico pensando: conhecer um caminho cercado de tanto misticismo, cantado em prosa e verso por tanta gente, fazer novos amigos e rezar. Sobretudo, fazer orações compenetradas para que os 800 quilômetros de caminhada me façam um turista feliz e convicto da fé que tenho.

Mas eis que o cantar do cuco no relógio da sala me faz despertar, pois é hora de começar um novo dia, cheio de compromissos inadiáveis. Que pena! O que aconteceu nessa viagem sonhada contarei em outra oportunidade, se houver tempo. Sonhar não faz mal a ninguém.

9 de julho de 2008

O AMANHECER NA ROCA

Era até estranho que tivessem lhe arranjado um lar em pleno centro da cidade, com ruas cercadas de prédios de apartamentos, residências e lojas comerciais por todos os lados. Quando novo, ensaiava cantos meio engasgados, solfejando notas como aprendizes de música. Claro, faltava-lhe um irmão ou vizinho com quem pudesse aprender ou imitar os cantos. Foi um autodidata e por fim sabia como mandar pelos ares e para longe o seu cantar.
Ultimamente, não tenho ouvido os sonoros cantos do galinho. Por certo, bandeou para outro galinheiro, uma chácara, sítio ou mesmo residência de algum lavrador das redondezas, onde continua na sua missão de relógio do romper dos dias.
Me lembro do alvorecer nas fazendas e bairros rurais, quando galos madrugadores anunciavam a chegada de um novo dia. Um cantava aqui, outro respondia lá na frente, num sentimento de solidariedade. Parecia um canto transformado em conversa que ia rompendo as barreiras das matas, levado para rincões longínquos. Na medida que o sol despontava davam por encerrada a incumbência que cada um tinha e se punham nos terreiros como chefes compenetrados de suas famílias bem-comportadas.
O amanhecer na roça é um resplandecer da natureza, embelezada pelos cantos de passarinhos. Cada um com seus afinados acordes, nas matas ou nos quintais, em árvores floridas ou nos aramados que cercam divisas de residências.
Como é bonito se ouvir o canto de um solitário sabiá empoleirado em galho de uma laranjeira. De colorido simples, cinzento-oliváceo, branco, do campo, pardo ou avermelhado, são populares e bons cantores. O sabiá-laranjeira tem um canto nostálgico e escritores o cantam em prosa e verso.
Nessa espécie de pássaros tem o sabiá-cavalo, que deve ser um bom cavaleiro; o sabiá-cachorro, mas desconheço se seu canto é parecido com latido; não sei se o sabiá-ferreiro bate bem bigorna; o sabiá-tropeiro deve ser uma boa companhia dos condutores de tropas. Uma série de outras denominações por todas as regiões do Brasil. Tem até o sabiá-verdadeiro.
Nos entardeceres do campo, o cantar dos sabiás é como uma canção de seresteiro em noite de luar, sob a janela da namorada, ao som de violão, flauta ou violino.
Só no amanhecer na roça se pode ouvir o piar melancólico do inhambuxororó e do inhambuxintã, quando na procura das sementeiras de roçados.
Pintassilgos, papa-capins, bem-te-vis, tuins e outros pássaros, empoleirados em algum galho seco ou em revoadas, levam seus cantos ao longe dos sítios e fazendas. Formam uma orquestra solidária às bênçãos de um dia de felicidade. Somente quando o sol é mais forte se escondem à sombra de frondosas árvores para descanso reparador.
A chuva mansa como gotículas que batem no telhado é uma suave manifestação das nuvens que vão e vêm, enquanto o azul do céu fica escondido. As batidas das águas nas pedras da cachoeira soam nas madrugadas como lenitivo a uma noite de insônia.
Que saudade dos amanheceres na roça e dos encantos da natureza!

FLORES E TAPETES

Toalhas de crochê, curtas ou compridas, que se estendem pela mesa de jantar, completam um visual bonito e acolhedor em uma sala bem cuidada.
Esse comportamento é próprio das senhoras, que cuidam com muito gosto e carinho de todos os detalhes, e proporcionam aos familiares e visitantes aquela sensação de um estado de felicidade completo.
Um piano mudo e esquecido num canto da sala é a presença viva de que um dia emitiu pelos ares sons de consagrados autores, dedilhados por uma jovem candidata a solista, na interpretação de peças belíssimas assinadas por Chopin, Mozart, Beethoven e outros. Cansado, o piano pode servir para amparar finos bibelôs sempre enriquecidos com novas peças juntadas ao sabor dos tempos.
Console é aquela peça de madeira esculpida, de ferro batido ou de pedra, presa ou encostada à parede. Uma espécie de aparador sempre enfeitado com artefatos de cristal, flores e até fotografias que lembram casamentos, filhos e parentes próximos. Também faz parte de um ambiente bem cuidado.
Outro destaque de uma sala é o tapete, que dá um toque de distinção, de sobriedade ao ambiente. Pode ser simples ou sofisticado, liso ou florido, macio. Mas há um detalhe nas linhas de um tapete que envolve o emaranhado dos seus pontos e cruzamentos.
Não são apenas os labirintos que interrompem passos que se possam dar nas caminhadas tecidas. Podem revelar alegria, vivida no auge da felicidade, ainda que em instantes de recolhimento, quando a imaginação voa na conquista do espaço fantasioso. Mas podem, também, manifestar o outro lado do infinito pensar de uma ilusão sentida e que o tempo traz à memória com crueldade indesejável. Não estariam escondidos no meio dos pontos tortuosos laços misteriosos de uma vida conturbada e cheia de percalços? O que pensou quem os teceu? Teria sido em momentos de tristeza ou amargura? Quem sabe?
Experimente alguém seguir as trilhas coloridas bordadas em um tapete e chegará à conclusão de traços misteriosos, cheios de obstáculos, que cansam e iludem.
O tapete de uma sala de visitas é agradável aos olhos, pelo seu desenho e cor, mas enganam aqueles que querem desvendar seus labirintos.
Melhor mesmo é o tapete mágico dos contos orientais, que enfeitam sonhos e aguçam a imaginação em seus vôos fantasiosos.

SEM EIRA NEM BEIRA

As boas coisas que circulam pela internet podem ser relembradas, eis que muitas delas aguçam a curiosidade em torno de seu entendimento. Expressões que ficaram marcadas no tempo e relembrá-las sempre é interessante pelo que revela seu conteúdo.
Quando se fala “nas coxas” pode, em princípio, causar impressão não verdadeira. Entretanto, as palavras traduzem que as primeiras telhas usadas nas casas no Brasil eram feitas de argila, moldadas nas coxas dos escravos. Como os escravos variavam de tamanho e porte físico as telhas ficavam todas desiguais devido aos diferentes tipos de coxas. Daí a expressão fazendo nas coxas, isto é, de qualquer jeito.
No embalo desse significado encaixa-se aquele referente aos telhados de antigamente, que possuíam eira e beira, detalhes que conferiam “status” ao dono do imóvel. Possuir eira e beira era sinal de riqueza e de cultura. Não ter eira nem beira significava que a pessoa era pobre, estava sem grana.
Conta-se que “ficar a ver navios” tem a seguinte história: dom Sebastião, rei de Portugal, havia morrido na batalha de Alcacer-Quibir, mas seu corpo nunca foi encontrado. Por esse motivo o povo português se recusava a acreditar na morte do monarca. Comum era as pessoas visitarem o Alto de Santa Catarina, em Lisboa, para esperar pelo rei. Como ele não voltou, o povo ficava a ver navios.
Quem já não ouviu falar que alguém não entende patavina? Pois é. “Os portugueses encontravam uma enorme dificuldade em entender o que falavam os frades patavinos, originários de Padova, Itália. Sendo assim, não entender patavina significa não entender nada”.
Esta é de farmacêutico: dourar a pílula. Antigamente as farmácias embrulhavam as pílulas em papel dourado, para melhorar o aspecto de remédio amargo. A expressão dourar a pílula significa melhorar a aparência de algo.
E como se explica a expressão conto do vigário? Duas igrejas –– seriam de Ouro Preto –– receberam uma imagem de santa como presente. Para decidir qual das duas ficaria com a escultura, os vigários contaram com a ajuda de um burro. A explicação é a seguinte: colocaram o burro entre as duas paróquias e o animal teria que caminhar até uma delas. Conta-se que a escolhida pelo quadrúpede teve treinamento do seu vigário.
Violência em família deu origem ao “voto de Minerva”. A história registra que Orestes, filho de Clitemnestra, foi acusado pelo assassinato da mãe, que havia assassinado o marido Agamenon, com a ajuda do amante Egisto. No julgamento, houve empate, cabendo à deusa Minerva a decisão, que foi a favor do réu. Eis porque o “voto de Minerva” entrou para a história como decisivo em questões de empate em julgamentos

23 de maio de 2008

MOLECAGENS

Quando se é moleque, uma idade em que as responsabilidades ainda não fazem parte direta da vida, nada ou pouco se tem a pensar em termos de coisa séria. Realizadas aquelas obrigações corriqueiras exigidas pelos pais, próprias da capacidade de cada um, tudo é mais ou menos levado na brincadeira. É um tempo em que se pode fazer o pensamento voar e atirar-se a travessuras, pouco se dando a possíveis conseqüências que venham a acontecer. Na verdade, difícil é esconder algo de errado, porque o comportamento e a própria cara são delatores em potencial.
Chegada a época em que os estudos atingem a segunda fase, fácil é saber das necessidades de reuniões, para estudos em conjunto das matérias que já alcançam maiores dificuldades, distribuindo-se em residências diversas, isto é, uma vez e cada casa de aluno. Enquanto todos não estão presentes, um bate-papo para descontração, com cada um revelando aventuras do dia anterior, piadas e gargalhadas, que chamam a atenção daqueles que estão por perto.
Bem, hora de estudar exige seriedade de todos. Os assuntos são postos à mesa, discutidos até que se chegue a um entendimento comum. Claro que os debates quase sempre são acalorados, dado que a tese de cada um é defendida com argumentos convincentes.
Quando a reunião está mais quente chega a mãe de um estudioso, que é a dona da casa, para oferecer um cafezinho quente, acompanhado de bolo de cenoura, milho ou fubá. Mais um tempo para papo-furado. Quando percebem que todos os problemas escolares foram resolvidos, fecham-se livros e cadernos e canetas são guardadas. Como ninguém tem nada a resolver na vida, aparecem os momentos propícios para armações e brincadeiras. Pensamentos voam. Sugestões surgem. Definem-se as etapas. Mãos à obra.
O primeiro passo é saber quem se encarrega de começar as aventuras. Sempre tem alguém que é mais atirado e resolve fácil: “deixa comigo”.
Todos saem à rua. O ônibus aponta na esquina. Um deles sai correndo, movimentando os braços como interessado em apanhá-lo. O ônibus pára e ele continua a correr e vira a primeira esquina. De outra feita, o motorista pára, abre a porta e o malandrinho pergunta as horas.
Atendido, responde: “Obrigado, tio”. Claro que nem sempre o motorista, cansado e com fome, aceita esse comportamento numa boa e solta um palavrão, enquanto uns passageiros riem e outros ficam irritados.
Quantos pais não são iludidos por uma traquinagem do filho, que chega em casa com a mão sangrando e sustenta que caiu da bicicleta, rolou na rua cheia de pedras e feriu-se, mas a verdade é que ele tocou a campainha do vizinho próximo para sacaneá-lo e tenta sair correndo, mas se machuca naquelas flechas de ferro que encimam as grades das entradas dos jardins. O garoto faz cara feia, mas um pouco de iodo resolve o problema.
O comportamento dos moleques, não raro, chega mesmo a extrapolar das brincadeiras comuns e até parentes próximos podem ser alvos delas, como aqueles dois que a um descuido do tio abriram a porta do automóvel e acenderam um artefato com cheiro bem forte e característico de um pum. Imaginem quando o tio entrou no veículo. O cheiro infestou as proximidades.
E as traquinagens nas salas de aulas e nos corredores escolares, com apelidos aos professores e aprontadas aos mestres? Uns se fazem de desentendidos e outros não perdem a oportunidade para uma lição de moral.
Essas molecagens dos filhos os pais ficam sabendo após longo tempo. Quase sempre acontecem em reuniões familiares, com avós e netos presentes, quando cada um conta as peripécias de saudosos tempos de uma mocidade bem vivida. Todos riem e perdoam as brincadeiras e as mentiras bem urdidas, mesmo porque nada mais se pode fazer, pois nesses encontros o que vale mesmo são momentos de descontração e alegria.